25 agosto 2014

Cólera e ébola: o mesmo tipo de pânico e de imputação causal

Cólera na Inglaterra e na França (1832)
Em 1832 a cólera disseminou-se rapidamente na Inglaterra, chegada de barco através de pessoas infectadas com o vibrião. As mortes sucederam-se entre as pessoas pobres, o povo foi tomando de pânico. Tomado de pânico com tanta morte, acusou vários médicos do assassinato deliberado dos doentes "para pôr em prática técnicas de dissecação de cadáver e aprimorar seus conhecimentos em anatomia". Em Paris, no mesmo ano, o mesmo tipo de pânico, os mais pobres são os mais afectados pela doença. Cerca de 120 mil pessoas abandonaram a cidade. Extracto de uma obra: "O desespero dos pobres se mobilizou contra as classes sociais altas, logo suspeitas de ter envenenado o sistema de abastecimento de água dos trabalhadores. Assim, iniciou-se em Junho daquele ano uma série de rebeliões nas ruas de Paris contra as classes altas. A França perdeu cem mil habitantes na epidemia". Neste diário aqui.
Cólera em Moçambique (2002/2011)
Em províncias nortenhas, é costume popular atribuir a responsabilidade pela introdução da cólera a funcionários governamentais (designadamente da Saúde), extensionistas rurais, régulos, proprietários, etc. Água, pó, comprimidos, o escape das motas e dos carros, tudo isso é suposto conter cólera. Esta não é encarada como uma doença natural provocada pela falta de asseio, mas como uma doença objectiva e socialmente criada para matar gente local.  Acredita-se que os poderosos querem acabar com os pobres. Comunidades entram em convulsão, surgem ataques contra pessoas e bens, a polícia intervém, morre gente, o caos instala-se. Neste diário aqui.
Cólera no Haiti (2011)
Flagelado por um terramoto horrível, pela miséria e pela fome, o Haiti viu-se a braços com a cólera, que estava erradicada havia mais de um século. Primeiro foram os protestos populares contra os soldados nepaleses da ONU, acusados de a introduzirem; depois surgiram os linchamentos a eito, visando especialmente  os sacerdotes vodu, acusados, eles também, via bruxaria, de introduzirem a doença. Neste diário aqui.
Ébola na África Ocidental (2014)
"Grupos de ajuda humanitária como o Médicos sem Fronteiras (MSF) e a Cruz Vermelha estão enfrentando cada vez mais resistência em seus trabalhos nas aldeias e povoados rurais da região: muitas comunidades estão fazendo barricadas e reagindo com hostilidade à presença dos agentes de saúde, considerando-os os culpados pela epidemia. [“Não queremos nenhum contato com ninguém, todos os lugares que aquelas pessoas passaram foram atingidos pela doença”, disse ao NY Times Faya Iroundouno, presidente da liga da juventude que impediu a entrada de uma comitiva do Médicos sem Fronteiras em Kolo Bengou, Guiné." Aqui.

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